"Cadê a justiça das cotas? EU não consigo enxergar." - Está citação apareceu entre os comentários acerca do texto Senzalas & campos de concentração (Castro, Alex. Diposnível em http://papodehomem.com.br/senzalas-campos-de-concentracao e acessado em 15/12/2012). Em resposta, o texto abaixo.
Eu consigo. Eu enxergo. Eu entrei na Universidade Estadual de Londrina para trabalhar como técnico administrativo inscrito por cotas para negros, três vagas universais e 2 para cotas (uma para afro-descendentes e uma para pessoa com deficiência física). Não deve ser fácil conseguir um emprego sem ter um braço ou sem ao menos 1,40m já sendo adulto. Também não foi fácil para mim, trabalhei em tantos lugares quanto me foi possível, e, deixa pra lá.
Eu fui o terceiro colocado, talvez me dessem uma vaga sem
cota (dita universal), não foi assim, como me inscrevi para cotas ocupei
a vaga de cota, o quarto da universal que foi chamado e o segundo
colocado da lista de negros não foi chamado, eu tirei a oportunidade
dele (juro que foi sem querer, como saber que conseguiria ficar entre os
três primeiros com mais de mil candidatos?).
Tentei falar sobre isso
na universidade, ouvi muitos "deixa pra lá". Estou na lista de pessoas
que fazem uso de cotas sem precisar?
Tentei também o vestibular, não
consegui, por cotas novamente. Não foi a falta de uma vaga, foi
despreparo, reprovado em questões discursivas - acreditando que entraria
sem a necessidade de cotas quando vi o resultado da redação e das
assertivas. Não citei 'não foi a falta de uma vaga' por único sentido,
sombram vagas.
Então, se tu que estás a ler não gosta de negros
cotistas, tenha esperança, nós não ocupamos todas as vagas que são
concedidas, as vagas que não são preenchidas, dentre as destinadas aos
afro-descendentes são destinadas aos oriundos de escola pública e se
eles também não preencherem então são preenchidas pelo sistema
universal. Alegrem-se pois ainda estamos do lado de fora. E no caso do
concurso, acalmem-se, concorremos apenas conosco, ficou claro que o
mínimo (um negro) seria também o máximo.
Então a justiça está ai,
é tudo um faz-de-conta, assim como meu plano de carreira: Que diz que
vou ganhar o dobro do que ganho agora se trabalhar uns 25 anos, terminar
faculdade e estudar um pouco nas horas vagas, sem direito a FGTS e
abrindo mão da minha contribuição para aposentadoria se resolver deixar o
emprego.
Os negros não vão invadir as universidades, não serão 25%
dos alunos da UEL (assim como o censo diz que eles o são 29% da
população do Paraná). Não irão disputar a compra de um apartamento de
dois andares contigo nem receber um carro importado antes da tua vez, se
e somente se acontecer então leia Não vai dar tudo certo - Pedrucc,
Lucas disponível em http://papodehomem.com.br/nao-vai-dar-tudo-certo/
acessado em 11/12/2012.
A egemonia vai continuar, no emprego que
estou e em outros eu vou continuar sendo o
faz-tudo-geral-carregador-de-coisas-pesadas-e-afins, pagando contas no
banco ou buscando a marmita de alguém umas hierarquias acima. Se as
contas apertarem eu sei quem é demitido, não é aquele que gosta de sair
10 ou 15 minutos antes sem avisar e não conhece tão bem a própria função
como deveria, mas, deixa pra lá.
Segunda-feiras virão e vou
continuar a buscar o café, o medo do
desemprego/exoneração/aluguel-atrasado vai me conter a reclamação nos
dentes, o processo contra o empregador que não paga sequer o salário
mínimo mas conhece metade da cidade. Um suspiro e esqueça.
Se
usei muitas vezes a primeira pessoa neste texto é por ter tido sorte, os
mil reais que ganho por mês são melhores que alguns conhecidos ganham e
não fico muito tempo sem ouvir alguém me dizer que gostaria de estar no
meu lugar. Estamos enxergando um pouco mais de justiça agora?
Nenhum comentário:
Postar um comentário