Foi de assalto

Testemunhas oculares, vítimas, transeuntes e diversos calibres. Um beijo para alertar, 'corra, corra que quem lhe gosta menos do que moedas não vai te sustentar'. Neste momento em que o chão treme e toda visão é turva eu não distingui quem segurava arma, se amigo ou inimigo, de quem segurava a minha mão.
Não, mesmo adiante de passos percorridos resolvi voltar, não estaria longe do fogo, ele queimava por debaixo da minha roupa e já havia sido avisado: no tempo que gasta para pensar ficamos distantes, tão distante do teu olhar que posso não mais te encontrar, distraio-me no caminho sem perceber contigo medo de me perder.
Voltei. Dentro de uma casa em chamas sentados à mesa e com faca e garfo em punho, sem nenhum alimento para consumir, começamos a discutir:
_ Corto minha carne, a preparo em azeite e a sirvo se tens fome, mas, saciando-te dela sairá comigo daqui?
_ Sim.
Faca mirada, um tira de couro. Que tamanho? O maior que aguentar, melhor do que ouvir que não foi o suficiente. Uma última olhada para a lâmina da faca, um instante para pensar em que posição rasgar.
_ Não. - foi o que ouvi em um momento tão perturbador.
_ Não? O que foi?
_ Não quero mais nada, não fio tua palavra pois o que diz não corresponde com o modo como age.
Pois deve ter sido em verdade o que disse, pedaços menores me pedira anteriormente, mas agora com quadros de família derretendo em paredes que já sustentaram nosso amor, não havia mais tempo para medo. Um membro inteiro seria pequeno e nas proporções em que se encontrava a tira era coisa pouca para pagar passagem até o lado de fora daquele suplício.
_ Se não saímos de mãos dadas, ao menos vamos sair, aqui não há a que ficar. - eu insisti.
Não, sim, não e outro sim, mas que hora ingrata para indecisão! A polícia, os bombeiros, os transeuntes, o MST e o Greenpeace já estavam do lado de fora clamando. Tentei sacudi-la: "ora pois, seja não seja sim, saia daqui e protegidos resolvemos com cuidado cada milímetro que esteja errado!"
Ouvi estas palavras cheias de angústia:
_ Minha mobília, minha mobília, momentos felizes que aqui passamos irão se perder!
_ Os momentos não estão na mobília, estão em nós, se sairmos juntos os carregamos conosco.
_ Te peço e não o faz.
_ Ainda tenho a faca em punho, coloque a panela no fogo, acredite que não há medo nos meus olhos.
_ Pois não quero mais, se aceito irás me cobrar, se aceito ou não mas devolvo me cobra a cicatriz.
_ Mas que faço então? Preocupa-te em me deixar sem saída! Venha para fora, rápido, peço, urge.
_ Certo, vou, mas antes, avisa uma amiga minha, lhe tenho um entrega em atraso. Quando voltar saímos.
_ A esta hora? Pois bem que vou, volte antes que mais uma lágrima caia.
Fui, demorei, encontrei e depois voltei. Armadilha, nenhuma pessoa na casa, haviam cães e cinzas. O que não queimou foi destruído ou roubado de mim. Da casa agora poeira, mas ninguém ficou debaixo dela, e quem saiu apontou o dedo em minha direção e este sinal foi todo meu julgamento. A única defesa foi meu espanto e em seguida proferiram sentença, culpado, reclusão fora dos limites da cidade.
Não tentei explicar, isto seria antes de veredito e não parecia caber, não tentei me justificar, não seria possível sem ter antes explicado nem útil depois de condenado. Apenas disse algo sobre mim, talvez abrandar a sentença, escapar da cicuta.
_ Não preciso mais de tu. - não sei como respirei depois de ouvir esta frase. Foi a última.
Nada que aconteceu depois merece ser dito, deve ter havido uma súplica sussurrada, mas os portões da fronteira me esperavam abertos.

Ah! Tenho que trabalhar e não alcanço. Tenho que me alimentar, não quero. Tenho que dormir, suspiro. Noutro dia sorrir? Não do lado de fora.

Cada passo, cada passo que dou, em direção a tão longe quanto ficou determinado, deixa-me destruído. Espero uma mão em meu ombro, um grito, um perdão, uma sentença revogada. Cada passo, cada instante, cada segundo. Lamento.
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