Escrever

Vou escrever. A que devo isto? Sei que preciso, mas também preciso me dar explicação às minhas atitudes. Escrevo pois, pois me encho, logo preciso esvaziar. Quase nunca consigo, logo, transbordo. Saem palavras.
Há quem coma, e sente o corpo e a alma acalmarem. Não, este não sou eu, comer sempre foi, além de necessidade, fardo, luta, esperança e medo. Há quem ejacule teus problemas, relaxe com isto. Não, novamente não sou eu, pois relaciono à dor física, aos conflitos de relacionamentos, às cobranças.
Dei ouvidos a quem disse que comprar pode aliviar tensões, além de dispendioso se resultou falho, e também já briguei, dolorida estratégia fracassada. Competi, pelejei, gritei, mas não alcancei resultados, apenas, bom, fiquei rouco.
Vou escrever. Não muda nada, fisicamente. Mas as paredes voltam para seus lugares, as nuvens reaparecem, a sensação de temperatura continua a existir e a saliva, a saliva continua na minha boca umedecendo parte dos lábios, parte molhada, parte seca. Nesta busca por expressões, por palavras, por uma grafia que dê forma ao que sinto, eu me acalmo, penso mais vagarosamente e compreendo alguns riscos do grande muro onde estão todos cartazes que querem minha atenção.

Parte dentro, parte fora. Tijolos escondidos, atrás de imagens coladas, imagens rasgadas, sonhos, tinta spray, soluços, gritos, cheiros, cheiros que conseguem esconder tijolos devem ser cheiros fortes, como o do feijão, o do cabelo, o do beico e o do amor. Fortes ou empoeirados, quebradiços, diferentes, ali, postos uns sobre os outros e me compondo. E é por isso que escrevo, para descrever, o que sinto, vejo, penso, para mudar os tijolos de lugar, substituí-los, reforçá-los, atirá-los ao longe ou mastigá-los, e depois, com o verso de alguns cartazes que rasguei, faço desenhos.
Vou colá-los novamente, seja do lado de fora, para que vejam 'cão bravo, não se aproxime', 'free hugs' ou uma serenata que foi sofrida de ser escrita. Do lado de dentro deixo 'você deveria estar trabalhando', 'já fez alguém sorrir hoje?', 'Blastoise!'. Parte molhada, parte seca, lado de dentro, lado de fora, parte minha, parte tua, lado que veem, lado que vejo, meu e teu, tudo separado que deveria ser único, nosso. Fica assim, imagem desfigurada, pois sem sentido é este quebra cabeça de muitas peças faltosas. Até agora entendi que tenho um muro, que muita coisa muda sua composição e eu e outras pessoas o enchemos de cartazes (talvez um dia eu o pinte, nem que seja com cal), e o quão sem sentido é tentar montar algo sem todas as peças, vida sem sentido é esta incompleta.
Related Posts with Thumbnails

Nenhum comentário: